Estava vendo o blog da Isa. É... os blogs me inspiram, ou me dão um ponto de partida pras besteiradas que eu escrevo aqui. Não que os blogs que me inspiram sejam de besteiradas. Pelo contrário, eles me fazem acordar de vez em quando, me fazem parar de atuar pra prestar atenção
Só ultimamente que tudo tomou força. Muitos dias saio de casa achando que não vou voltar, abraço todo mundo forte, me despeço. Olho o céu mais uma vez demoradamente, sinto a água quente do chuveiro caindo no corpo gota por gota, bebo água como se fossem suspiros de vida. Ligo pra quem quero ligar e digo as coisas que gostaria que lembrassem como minhas últimas palavras. Também tenho cartas guardadas, que não tenho coragem de enviar, dizendo coisas que não tenho coragem de falar mas que me arrependeria de não ter falado se eu morresse. Aí avisei minhas amigas sobre onde elas foram guardadas, para que sejam entregues às pessoas quando eu for embora. Espero que elas ainda tenham guardadas as recomendações. Acho que vou mandar um email de novo, atualizado. Mas falta ainda fazer meu testamento. Estou me enrolando desde outubro. Aí se eu me surpreender do outro lado vou pensar “Ô drooooga, meu testamento que eu demorei pra fazer! Já era!” De qualquer forma, já faz mais de meio-ano que eu sinto isso e eu ainda estou aqui, né? Vai ver vou morrer com 120 anos e tô pirando.
Apesar de meio doido e de ouvir todo mundo falando “creeeeeeedo, carol, você vai viver até seus 200 anos” (como se eu quisesse viver super muito ¬¬) existe um lado bom de sentir essas coisas. O bom é que eu estou sempre preparada pra ir embora. Como nunca, estou me dando bem com a minha família. Não altero mais a voz, não brigo (apesar de que raramente brigava, odeio brigas), tento não sentir raiva... abraço muitas vezes por dia, digo que amo e faço as pessoas que eu amo sentirem que são importantes pra mim. Aproveito o céu, aproveito as risadas, presto atenção em cada demonstração de carinho porque é pra essas pessoas que me demonstram carinho que eu mais quero dar atenção. Quando vamos a um cemitério por uma pessoa amada, uma das coisas que mais dão força, um dos maiores consolos, é ter a certeza de que essa pessoa sentiu o seu amor, que ela foi embora sabendo que é amada. Quero deixar esses momentos também pras minhas pessoas. Se eu for mesmo embora, quero que elas lembrem desses dias, dos meus abraços, de quando eu disse explícita ou implicitamente que elas são importantes pra mim. Eu acabo vivendo mais verdadeiramente, deixo passar menos coisas. Isso é bom, muito bom.
Segunda-feira (ontem) acordei me sentindo mal. Tudo estava engasgado na garganta. Acordei sem energia, carregada, não sei que palavra expressaria. Olhei as fotos, olhei e é... (reticências). Me senti “expremida” (com X, porque com S não soa como realmente foi). Me senti sem chão de novo. Mas aí eu aumentei o volume do som e cantei “eu era um enigma, uma interrogação. olha que coisa, mas que coisa à toa, boa, boa, boa, boa, booooooaaaaaaaa” pra melhorar. No final das contas nem reparei no céu. Não sei como estava. Quando chegou meio-dia fiquei muito grata por poder voltar pra casa e dormir a tarde inteira. Nada como um bom sono.
O fato foi que, dessa vez, diferentemente do ano passado ou do comecinho desse ano, eu não afetei ninguém com isso. Eu sorri, não forçadamente. Eu sorri porque eu gosto das pessoas à minha volta e, quando elas sorriem, elas merecem retribuição. Eu sorri, um sorriso diferente dos dias azuis, um sorriso mais doído, mais enrugado, mas um sorriso verdadeiro que dizia “desculpe o meu silêncio, mas fala que eu gosto de ouvir”, um sorriso que dizia “que bom ter vocês aqui pra me distrair”. Isso me mostrou que eu cresci bastante. Me mostrou que eu consegui vencer o egoísmo de explodir em todo mundo a minha angústia. É muito mais gratificante sorrir, ouvir, e ajudar as pessoas que também não estão nos melhores dias a se distraírem um pouco também. Assim vai. Uma piadinha aqui, outra ali. Causar uma gargalhada espontânea já é um grande motivo pra sorrir e guardar aquele momento como um delicioso instante de um dia difícil, pra que o dia não mereça ser apagado, pra que seja guardado pra sempre.
Um sorriso verdadeiro, que vem de dentro, é uma das coisas mais especiais e lindas que existem. É uma das provas da existência de algo infinito. Algo tão lindo que quase ninguém pára pra assistir minuciosamente. Quando vejo um sorriso sincero é quando enxergo o que há de melhor dentro da pessoa. É quando enxergo um pouquinho do brilho de cada um, um pouco de seus sonhos, um pouco da sua esperança. Um pouco daquilo que talvez mesmo quem ri tente esconder ou negar ou desacreditar que existe. Mas é aquilo que há de melhor, de mais bonito, genuíno e puro. O que talvez precise apenas de um pouco de amor pra florescer. Reconhecemos um amigo quando nos vemos sendo observados e ouvidos com atenção. Nos vemos sendo compreendidos. Vemos no olhar a preocupação e o carinho de alguém. Quando cito um nome e meus olhos enchem de lágrimas, vem o amigo e abraça e muda de assunto, e brinca e ri. Ou ouve e com os olhos diz “estou ouvindo”. Ou se comunica apenas com um gesto. Se faz presente. Se faz cúmplice. São esses os amigos que merecem todos os nossos esforços. Por eles é válido gastar todas as energias pra fazê-los levantar de um baque. Quando eles estão tristinhos e conseguimos arrancar uma gargalhada deles, não há nada mais satisfatório.
Não há nada mais especial e lindo que esse instante em que sorrimos junto com pessoas especiais. O sorriso une. São ali duas coincidências de gênio, a essência da afinidade, o encontro das personalidades. Algo que fez bem a todos naquela roda, ao mesmo tempo. É aquele instante de sorrisos simultâneos que liga, une as pessoas, as torna companheiras de longo tempo, faz com que meses se tornem milênios durante algum segundos, como se aquela amizade existisse há muitos séculos. Essa vem sendo minha alegria de cada dia. Aproveitar o sorriso de cada um. Cada sorriso que eu ganho é um presente. É um momento que precisa ser guardado. É observando esses momentos que percebo quando fiz realmente bem a alguém. Quando sinto o brilho do sorriso vindo de dentro, o meu dia já valeu a pena, só por aqueles segundos de sinceridade incontestável. Nesses momentos eu sou feliz.
Pena que não temos memória seletiva. Apesar de que se assim fosse, não teríamos como explicar quem somos. Afinal, também as coisas difíceis nos fazem ser quem somos. Muitas boas mudanças que acontecem dentro de nós, aprendizados, novas formas de enxergar a vida, novas formas de lidar com as pessoas, advêm de acontecimentos difíceis. Mesmo assim, não há como contestar o fato do cérebro ser um grande sabotador. A vida vai passando, os dias vão passando, novas coisas acontecem sem a permissão de ninguém. Simplesmente acontecem, escorrem pelos nossos dedos, não temos o que fazer contra, não temos como impedir. Não nos perguntam se queremos ver novas coisas, apenas vemos. O cérebro começa a gravar, naturalmente, as novas informações. Primitivos que somos, não possuímos um reservatório acumulativo de acontecimentos. Existe um espaço limitado. Os antigos detalhes vão se perdendo, se diluindo. O filminho que gravamos vai ficando embaçado. Acho isso uma das coisas mais desesperadoras do nosso sistema. Lembro quando fui numa palestra sobre Líder Coach. Nem sabia do que se tratava, continuo não sabendo. Só sei que o palestrante pediu para que pegássemos uma folha de papel. Peguei. Ele falou: “essa folha é seu passado, dobre uma pontinha, ela simboliza sua vida intra-uterina”. Dobrei caprichadamente. “Dobre a outra pontinha, significa sua infância”. Dobrei simetricamente. “Agora mais uma pontinha, sua pré-adolescência”. Dobrei, bem bonitinho. “Agora a última pontinha, é sua adolescência até o dia de hoje”. Terminamos de dobrar, o meu papel estava todo bonitinho, dobrado igual menininha dobra. Até que o cara falou: “Essa folha é seu passado, certo? Amasse-a, e jogue-a em mim”. Todo mundo amassou e tacou a bolinha de papel no cara. Ele soltou a piadinha: “Alguém aqui não amassou? UFA! Se alguém não tivesse amassado, seria um problema!”.
Eu não amassei. Eu não consegui. Pra falar a verdade, a folhinha está guardada aqui em casa até hoje. Pô, é um problema tão grande assim? Muitos passados são uma merda, as pessoas vêem a palavra “passado” com desgosto, torcem o nariz como se farejassem lixo. Só porque meu passado não é uma merda e eu não quero me desfazer dele significa que eu tenho um problema? Minhas lembranças são muito importantes pra mim. O que eu vivi foi fundamental na formação de quem eu sou hoje. Como eu poderia jogar isso fora, desistir disso? Não acho que seja um problema. Pelo contrário, acho que é um ato de coragem. Amassar o passado e jogar pra longe é uma fuga, é uma negação da própria existência. Acolhê-lo, por outro lado, é sinal de que as coisas que tinham que se resolver foram bem resolvidas e aceitas. Não que eu esteja super resolvida com o meu passado. Mas faço disso uma meta a cada dia, aceitar mais um pouco, compreender mais um pouco. Desde que o passado não seja verdade única, não seja o centro das atenções, desde que ainda haja vontade de lutar e alcançar objetivos, desde que ainda se lute pela vida, cultivar o passado não é nenhum problema.
Eu não conseguiria continuar sem minhas lembranças. O que eu aprendi e vivi me impulsiona pra frente. É o que me impede de desacreditar de tudo. É o que me faz ver ainda as coisas bonitas. Como isso poderia ser um problema? Só assusta o funcionamento do cérebro, nesse sentido. Ele não pergunta o que a gente quer guardar. Não pergunta o que deve ficar nítido e o que pode ser borrão. Escolhe sozinho, simples assim. Ele não pergunta “agora, esse momento aqui que não te acrescenta em nada, você quer guardar?”. Não pergunta. É injusto! Aí o tempo passa. A gente torra o cérebro em busca de lembranças específicas. Lembrar a textura da pele, lembrar exatamente como era o abraço, lembrar exatamente como era olhar de perto, lembrar exatamente do timbre da gargalhada. Eu lembro que era um abraço perfeito, mas é horrível não conseguir sentir esse abraço aqui. Lembrar e sentir como se o abraço estivesse acontecendo. Eu lembro das gargalhadas. Mas é péssimo lembrar sem conseguir ouvir exatamente, com detalhes. Os detalhes pequenininhos vão se embaçando, contra a nossa vontade. Dá medo disso se perder. De um dia querer lembrar, e continuar só querendo. De torrar o cérebro em busca da voz e não conseguir achá-la. No coração tudo continua vivo, intenso. O sentimento continua. Mas dá medo de querer muito lembrar do filme, da imagem, e ser atrapalhado pelo cérebro. Primitivismo da p*rra. O que custa manter tudo nítido como se tivesse acontecido ontem?
Choveu muito pela manhã. Curiosamente, não fiquei de mau-humor.
Música perfeita do título: "Caribenha Nação - Lenine" (pra variar um pouco)