Tive pesadelos durante a noite inteira. Já pensei em uma palavra pra definir o meu estado nesses dias, mas nunca achei uma. Não é triste, não é pensativa, não é exatamente angustiada. Pensei em enjoada, porque é a mesma sensação de estar enjoada, mas sem enjôo. Dá pra entender? É aquele estado psicológico de quando estamos doentes e enjoados, mas com o corpo funcionando bem. Pois é. Quando a noite é de pesadelos, acordo assim. Trôpega. Será essa a palavra? Talvez.
Eu fico em silêncio, querendo falar, mas me contento em falar em silêncio. Tenho muitas vontades, mas não faço nada porque, como se estivesse doente, qualquer movimento parece difícil demais. E aí eu sento, fixo o olhar em um ponto, e talvez demore bastante até pra piscar. Fico assim, imóvel, por horas e horas. Tenho a sensação de que não penso em nada. Mas penso em muitas coisas. Só que de uma forma diferente da habitual. Penso e assisto. Não mergulho na história, não participo, finjo não me importar. Assisto como a um filme. Mesmo as coisas importantes eu finjo que não importam no momento. Sei que importam, penso que importam, mas não as deixo chacoalhar dentro de mim porque não quero nada se mexendo, quero estabilidade. Mais que isso, quero me sentir imóvel, por dentro e por fora, até cansar e querer me mexer. Só vejo algo passar pela minha cabeça até que surja outro pensamento. E se alguém perguntasse “no que você tanto pensa?” eu responderia “em nada” porque nenhum pensamento perdura tempo suficiente pra que eu possa dizer que foi pensado. E é uma percepção tão desatenta que se algum barulho forte me tira do meu estado de autismo eu já não consigo lembrar do que eu pensava segundos antes.
Nesses dias, o mais comum é criar histórias. Eu crio histórias com personagens conhecidos. Imagino as cenas como se eu fosse gravar um filme mesmo. Escolho o melhor ângulo, as melhores cores, o melhor momento do dia. Penso o cenário e aí imagino as pessoas sentadas no escuro, em silêncio, encolhidas comovidas, chorando ou sorrindo.
Parece algo deprimente, mas nem é. Acho que é um dia meio sem emoção em que eu finjo ser ninguém. Pode ter emoção também. Mas é uma emoção bem passiva, bem tranqüila e quieta. É um dia pra ficar de frente pro mar sentindo a brisa, ou pra sentar na grama, debaixo do sol, fechar os olhos pra sentir a luz bater, pra sentir melhor o calor. Só sentir em silêncio, sem movimento. Sentir com todos os sentidos separada e demoradamente. É um dia que começa muito mal. Mas depois de ficar imóvel por muito tempo, tudo acaba adquirindo uma profundidade una. Apesar de pensar muito superficialmente, às vezes em situações que nem existem, a vivência é profunda. As sensações são intensas. O sol esquenta mais gostoso quando há silêncio. O barulho dispersa. Em silêncio, tudo se volta pro sol, tudo se concentra no sol, o sol se concentra inteiro na pele e tudo parece infinito. É um momento cheio de paixões, acho que isso descreve bem. Paixão pelas coisas pequenas, simples, que estão sempre ali e ninguém pára pra sentir ou olhar. Paixão pelo calor do sol, admiração, contemplação da condição de estar vivo.
Acho que ter ou não emoção num dia como esse é questão de escolher. Depois de começar a escrever cheguei à conclusão que pode sim ser emocionante. Esse texto está cheio de contradições, mas é porque eu nunca parei pra pensar no que acontece nesses dias. Nunca tentei pôr em palavras, definir, entender como eu me sinto. Sentar na grama, debaixo do sol, e ficar imóvel em um abraço, isso seria cheio de emoção. Emoção silenciosa aos ouvidos, mas gritante, cheias de palavras que nem precisam ser ditas.
Hoje acordei assim. Pessoas e barulho a minha volta. Sem perceber, por muitas vezes, me desliguei e fiquei parada pensando sem nem prestar atenção no que. Voltava de novo à realidade, falava, sorria, me divertia, mas não é dia mesmo pra falar. Senti que era o dia ideal pra voltar pra casa andando beeeeeem devagar com o sol no rosto e a música tocando baixinho no ouvido, delicadamente. Sentei no sofá com o sol entrando pela janela. O céu estava lindo. O sol estava maravilhoso! Fiquei assim por muito tempo, sentada na mesma posição pensando em tudo e em nada. Até o céu fechar e eu desistir de voltar andando. Me arrastei até o ponto de ônibus ouvindo Rita Lee (no seu cd de bossas) sem me dar conta dos carros passando. No meio do caminho de casa, percebi que não sabia que músicas já tinha ouvido. Lembrava de ser Rita, mas não lembrava de nada mais especificamente. É gostoso fazer isso. Descansa. Um dia pra descansar de mim. Depois de passar a sexta fazendo trabalhos detestáveis até a madrugada, foi bom passar o dia assim.
Cheguei em casa: barulho demais pro meu dia. Tive vontade de dar meia volta e achar qualquer lugar, de preferência bastante bucólico, pra formular frases e esquecê-las logo em seguida. Pra decidir falar coisas e desistir logo em seguida. Pra criar diálogos e rir deles logo em seguida, daquele jeito quase imperceptível, mais por dentro do que por fora. Os olhos parados, a boca quase não se move, meio sonhadora meio desacreditada. Aquele sorriso de quando vemos uma criança escrevendo cartinha pro Papai-Noel. Lentamente, a boca se arqueia só de um lado, de leve, só pra deixar a dúvida. Foi ou não foi um sorriso? Me perdi debaixo do chuveiro, de novo esqueci de tudo, ou pensei em tudo de novo desatentamente. Água quente e sol na janela: remédio bom pra qualquer coisa. Depois cheguei no quarto, fechei a porta, e liguei Toquinho e Vinícius no volume quase mínimo. Desde então meus únicos movimentos são os de digitar.
Me arrepia essa casa escura. Dá a impressão de que estão tentando se esconder ou ignorar a vida lá fora. Eu já tive motivo pra fazer isso. Não motivo pra me esconder e ignorar a vida. Não que fosse um motivo. Mas era uma justificativa, pelo menos. Apesar de que a palavra não é essa. Era algo que explicava, ainda que quase ninguém entendesse. Enfim, foi comigo, não com eles. E são eles que fecham as cortinas. São eles que não deixam ninguém ver o que vem de fora. Quando o escuro passou a me incomodar, já há bastante tempo, eu acordava e ia de cômodo em cômodo abrir as cortinas pro sol entrar. Pouco tempo depois, estava tudo escuro de volta. Eu quero escancarar as janelas, pôr a cabeça pra fora, deixar o vento e o sol entrarem. Eu faço isso. Aí, eles vêm e fecham tudo, e eu nem sei se estou ou não metaforizando. Não estava, a princípio.
O dia está gostoso. Há um ano, não era assim. Noites de pesadelos me faziam mal não só na hora que eu acordava como no dia inteiro. Bom que hoje foi diferente. Estranho, mas diferente, e um diferente bom. Mais uma surpresa. Agora vou publicar isso, já é noite. Esse cd é muito bom. O ideal agora é sentar na varanda com essa música e a lua (que anda linda nesses últimos dias, já pararam pra observar?). Ou tocar piano, seria bom também.
Eu fico em silêncio, querendo falar, mas me contento em falar em silêncio. Tenho muitas vontades, mas não faço nada porque, como se estivesse doente, qualquer movimento parece difícil demais. E aí eu sento, fixo o olhar em um ponto, e talvez demore bastante até pra piscar. Fico assim, imóvel, por horas e horas. Tenho a sensação de que não penso em nada. Mas penso em muitas coisas. Só que de uma forma diferente da habitual. Penso e assisto. Não mergulho na história, não participo, finjo não me importar. Assisto como a um filme. Mesmo as coisas importantes eu finjo que não importam no momento. Sei que importam, penso que importam, mas não as deixo chacoalhar dentro de mim porque não quero nada se mexendo, quero estabilidade. Mais que isso, quero me sentir imóvel, por dentro e por fora, até cansar e querer me mexer. Só vejo algo passar pela minha cabeça até que surja outro pensamento. E se alguém perguntasse “no que você tanto pensa?” eu responderia “em nada” porque nenhum pensamento perdura tempo suficiente pra que eu possa dizer que foi pensado. E é uma percepção tão desatenta que se algum barulho forte me tira do meu estado de autismo eu já não consigo lembrar do que eu pensava segundos antes.
Nesses dias, o mais comum é criar histórias. Eu crio histórias com personagens conhecidos. Imagino as cenas como se eu fosse gravar um filme mesmo. Escolho o melhor ângulo, as melhores cores, o melhor momento do dia. Penso o cenário e aí imagino as pessoas sentadas no escuro, em silêncio, encolhidas comovidas, chorando ou sorrindo.
Parece algo deprimente, mas nem é. Acho que é um dia meio sem emoção em que eu finjo ser ninguém. Pode ter emoção também. Mas é uma emoção bem passiva, bem tranqüila e quieta. É um dia pra ficar de frente pro mar sentindo a brisa, ou pra sentar na grama, debaixo do sol, fechar os olhos pra sentir a luz bater, pra sentir melhor o calor. Só sentir em silêncio, sem movimento. Sentir com todos os sentidos separada e demoradamente. É um dia que começa muito mal. Mas depois de ficar imóvel por muito tempo, tudo acaba adquirindo uma profundidade una. Apesar de pensar muito superficialmente, às vezes em situações que nem existem, a vivência é profunda. As sensações são intensas. O sol esquenta mais gostoso quando há silêncio. O barulho dispersa. Em silêncio, tudo se volta pro sol, tudo se concentra no sol, o sol se concentra inteiro na pele e tudo parece infinito. É um momento cheio de paixões, acho que isso descreve bem. Paixão pelas coisas pequenas, simples, que estão sempre ali e ninguém pára pra sentir ou olhar. Paixão pelo calor do sol, admiração, contemplação da condição de estar vivo.
Acho que ter ou não emoção num dia como esse é questão de escolher. Depois de começar a escrever cheguei à conclusão que pode sim ser emocionante. Esse texto está cheio de contradições, mas é porque eu nunca parei pra pensar no que acontece nesses dias. Nunca tentei pôr em palavras, definir, entender como eu me sinto. Sentar na grama, debaixo do sol, e ficar imóvel em um abraço, isso seria cheio de emoção. Emoção silenciosa aos ouvidos, mas gritante, cheias de palavras que nem precisam ser ditas.
Hoje acordei assim. Pessoas e barulho a minha volta. Sem perceber, por muitas vezes, me desliguei e fiquei parada pensando sem nem prestar atenção no que. Voltava de novo à realidade, falava, sorria, me divertia, mas não é dia mesmo pra falar. Senti que era o dia ideal pra voltar pra casa andando beeeeeem devagar com o sol no rosto e a música tocando baixinho no ouvido, delicadamente. Sentei no sofá com o sol entrando pela janela. O céu estava lindo. O sol estava maravilhoso! Fiquei assim por muito tempo, sentada na mesma posição pensando em tudo e em nada. Até o céu fechar e eu desistir de voltar andando. Me arrastei até o ponto de ônibus ouvindo Rita Lee (no seu cd de bossas) sem me dar conta dos carros passando. No meio do caminho de casa, percebi que não sabia que músicas já tinha ouvido. Lembrava de ser Rita, mas não lembrava de nada mais especificamente. É gostoso fazer isso. Descansa. Um dia pra descansar de mim. Depois de passar a sexta fazendo trabalhos detestáveis até a madrugada, foi bom passar o dia assim.
Cheguei em casa: barulho demais pro meu dia. Tive vontade de dar meia volta e achar qualquer lugar, de preferência bastante bucólico, pra formular frases e esquecê-las logo em seguida. Pra decidir falar coisas e desistir logo em seguida. Pra criar diálogos e rir deles logo em seguida, daquele jeito quase imperceptível, mais por dentro do que por fora. Os olhos parados, a boca quase não se move, meio sonhadora meio desacreditada. Aquele sorriso de quando vemos uma criança escrevendo cartinha pro Papai-Noel. Lentamente, a boca se arqueia só de um lado, de leve, só pra deixar a dúvida. Foi ou não foi um sorriso? Me perdi debaixo do chuveiro, de novo esqueci de tudo, ou pensei em tudo de novo desatentamente. Água quente e sol na janela: remédio bom pra qualquer coisa. Depois cheguei no quarto, fechei a porta, e liguei Toquinho e Vinícius no volume quase mínimo. Desde então meus únicos movimentos são os de digitar.
Me arrepia essa casa escura. Dá a impressão de que estão tentando se esconder ou ignorar a vida lá fora. Eu já tive motivo pra fazer isso. Não motivo pra me esconder e ignorar a vida. Não que fosse um motivo. Mas era uma justificativa, pelo menos. Apesar de que a palavra não é essa. Era algo que explicava, ainda que quase ninguém entendesse. Enfim, foi comigo, não com eles. E são eles que fecham as cortinas. São eles que não deixam ninguém ver o que vem de fora. Quando o escuro passou a me incomodar, já há bastante tempo, eu acordava e ia de cômodo em cômodo abrir as cortinas pro sol entrar. Pouco tempo depois, estava tudo escuro de volta. Eu quero escancarar as janelas, pôr a cabeça pra fora, deixar o vento e o sol entrarem. Eu faço isso. Aí, eles vêm e fecham tudo, e eu nem sei se estou ou não metaforizando. Não estava, a princípio.
O dia está gostoso. Há um ano, não era assim. Noites de pesadelos me faziam mal não só na hora que eu acordava como no dia inteiro. Bom que hoje foi diferente. Estranho, mas diferente, e um diferente bom. Mais uma surpresa. Agora vou publicar isso, já é noite. Esse cd é muito bom. O ideal agora é sentar na varanda com essa música e a lua (que anda linda nesses últimos dias, já pararam pra observar?). Ou tocar piano, seria bom também.
Tarde em Itapoã. Todo mundo conhece. Mas acho que ela merece um espacinho aqui. Tem o ritmo e os acordes perfeitos pra um dia como esse.
4 comentários:
nem fale em pesadelos :/
por coincidência, tive um essa noite.
mas era tão estranho e ruim, que já não lembro de nada.
só sobrou a sensação ruim.
(boa sorte para todos nos trabalhos).
:*
nem fale em pesadelos :/
por coincidência, tive um essa noite.
mas era tão estranho e ruim, que já não lembro de nada.
só sobrou a sensação ruim.
(boa sorte para todos nos trabalhos).
:*
Já falei que você escreve muito bem?
Eu já falei, vou repetir, Eu já falei, vou repetir...
Agora quem começa a ouvir sua voz enquanto lê sou eu.
soh li o primeiro paragrafo...
agonia... eh essa a palavra...
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